15/10/2025
Os ares de verão ainda espalhavam perfumes nas manhãs mornas de Urubici, em março daquele ano de 1961.
Ainda de pijamas, sentei-me à mesa na cadeirinha alta com assento de palha. A Mãe trouxe uma xícara de café com leite e uma talhada de pão de milho coberto com doce de gila. Enfiei o pão dentro da xícara para molhá-lo conforme meu hábito. Parte do café derramou-se pela mesa coberta por uma toalha de oleado. A mãe reclamou:
– Você agora já vai pra escola. Tem que parar de molhar o pão no café.
A Mãe trouxe uma camisa branca de mangas longas. Eu já havia visto que, no dia anterior a Mãe havia lavado a camisa, enxaguado em água de Anil e engomado com papa de Maizena para ficar firme ao ferro de passar. A peça fazia par com uma calça azul-marinho vincada a ferro.
– Vamos! Levante. Vamos vestir o teu uniforme. – Depois de despir o pijama, veio um calção com estampas amarelas retas e por cima a calça nova.
– Pé-de-ponta! – Pedia a Mãe para facilitar a entrada na peça. Por fim a camisa de uma alvura ímpar.
Eu estava pronto para o primeiro dia de aula no Grupo Escolar. A Tereza me levou pela mão. Passamos pelo Posto de gasolina, a venda do Seu Bastiãozinho, a loja do Seu Argemiro. Desfilamos pela casa do Dudu, até a esquina da Casa do Povo. Eu ia radiante, vendo como minha camisa brilhava ao sol. E a comparava às roupas das outras crianças com a certeza de que a minha era a mais bonita.
Entramos na Escola e fomos direto ao gabinete da Diretora para a Tereza entregar um papel que eu soube ser uma Certidão de Nascimento. Esperamos um pouco na porta porque o gabinete estava com muitas pessoas. Logo apareceu a Diretora. Ela tinha um ar sério e compenetrado. Mas ao ver-nos abriu um sorriso comportado e me deu boas vindas:
– Bom dia, Tuti! Preparado para a aula? A Miriam também veio. – Dona Mercedes era nossa vizinha. Ela era mãe da Miriam que tinha a minha idade.
Entrei em uma sala de aula lotada. As crianças estavam sentadas em carteiras com bancos inteiriços ocupados por três crianças separadas em grupos só de meninos e só de meninas. Na ala dos meninos havia um forte cheiro de passarinho. Isso não me incomodava. Acho que eu também tinha cheiro de passarinho.
Ouvi um burburinho no corredor e vi que as crianças estavam se levantando dos assentos. Pus-me de pé também por reflexo e então aconteceu a entrada das professoras e da diretora. Elas entraram majestosas desfilando autoridade e sabedoria. A diretora era a Dona Mercedes com a qual havíamos tido um breve encontro na chegada. A primeira professora era a Dona Dilha, irmã do Tio Jango. E a outra professora me encheu de orgulho e satisfação. Ocupava seu lugar de educadora a minha irmã Alda. Linda e sorridente. Uma criatura doce e querida com a beleza juvenil de seus vinte e dois anos.
Tudo na sala de aula se encaminhava. Pediram para que voltássemos a nos assentar. Todos obedeceram com ares temerosos.
Talvez eu fosse a única criança completamente calma naquele ambiente. A Alda olhou-me e esboçou um sorriso. Pensei nela enquanto me observava. Assim como era um privilégio para mim tê-la como primeira mestra, devia haver algo similar para ela em ser designada para ter na sua primeira classe de magistério o seu irmão pequeno.
A Alda e o Vevino haviam se mudado de Florianópolis para viver em Urubici. Traziam seu filho Paulo Fernando, prestes a completar seu primeiro aniversário. O Vevino se dedicaria à odontologia e trazia seu diploma de Dentista. A Alda se dedicaria ao magistério e trazia seu diploma de Normalista.
Eu era mesmo um sujeito de sorte. Eu amava a Alda e o Vevino e agora contava com eles morando provisoriamente em uma área pequena atrás da nossa casa que havia sido reformada pelo Pai para recebê-los em Urubici.
Quando eles chegaram a Mãe mostrava a casinha deles para o Olesse e a Maris. Eu estava junto e escutei a conversa dos adultos. Tratava-se de assunto que não se comentava com crianças, mas eu era bastante esperto e abri os ouvidos:
– A Alda está grávida de novo. – confidenciou a Mãe.
A Maris também opinou:
– Assim é que é bom. Eles já têm um menino e é bom que se criem juntos.
Dei um susto nos adultos com uma pergunta surpresa que denunciava o vazamento da informação proibida:
– Vai vim mais um Nibete?
– Sim. E isso não é da tua conta. Não é pra comentar isso! – Cortou a Maris preocupada.
E a Mãe, do alto de sua experiência de oito filhos e já Dinda, completou com ternura:
– Não é Nibete. É Paulo. E ninguém sabe. Pode ser outro menino, ou uma menina. Uma Vera Lúcia…
Isso não podia ser. Como eu iria aguentar uma Vera Lúcia ali? Havia de ser outro menino e pronto!. Quem sabe agora o Nibete!
– “Atenção crianças. Copiem o que vocês estão vendo no quadro. Vamos separar este grupo em duas turmas. Uma com a Professora Dilha. Outra com a Professora Alda.”
Que susto! é um teste. Precisa separar o Primeiro Ano Forte do Primeiro Ano Fraco. Meu ouvidinho afiado já havia captado a informação de que a Alda seria a professora do Primeiro Ano Forte.
– É neste grupo que eu vou estar. – Olhei para o quadro e avaliei o teste:
– Um EME e um ENE! – Murmurei com voz audível vendo as duas letras minúsculas escritas a giz no quadro negro. A Alda fez uma expressão de reprovação com o indicador sobre os lábios.
Tá certo. Peguei o papel e o lápis e desenhei as letras com muito capricho.
– Três morrinhos… Dois morrinhos… Eme de mãe e Ene de navio… Pronto. Fiz a entrega confiante.
Então veio um ano de muita luz. Muita coisa nova para aprender. Muita história para ler nos gibis e no Pato Donald.
Mais à frente… (melhor não falar nada sobre isso…) mas acho que a barriga da Alda está crescendo. Deve ser das peras, dos caquis, das uvas, das melancias… que acompanhavam o final de nossos almoços de domingo.
A vida se multiplica nas novas vidas que nascem e no saber que se proporciona às crianças para compreenderem melhor o mundo, fazerem-se dotar de espírito crítico, de olhar científico e também de coração humanista e misericordioso.
A criança quer ser o que foram seus professores. Quando amadas e educadas com carinho querem retribuir o amor recebido e serem pessoas com o compromisso de dar a mão aos outros para que também cresçam e sejam sementes de gerações de pessoas felizes.
Minha vida foi marcada profundamente pela minha primeira professora a quem sou eternamente grato. Além da Alda, também estive cercado de professores por toda a minha vida: Obrigado José, Maris, Salete, Tereza, Jonas e Vica. O magistério desfilou diante de mim e, por fim, transformou-me também em professor. Agradeço também a Irmã Salete, a Zilma e a Áurea, pelas lições de vida e carinho.
Feliz Dia dos Professores.