…Estranhos hábitos os desses demônios nus… Entregam bens sem pagamento… Sorriem para estranhos. Não sabem eles que temos poder de vida e morte sobre eles? Ignoram que podemos sacar de nossas espadas e, em nome de nosso Deus, único e verdadeiro, cortar suas cabeças por apresentarem-se despidos diante da Arca Sagrada?
ÁUDIO:
O comportamento dos índios, apresentando-se nus, oferecendo presentes, sorrindo e cantando diante dos desconhecidos irritou profundamente o grupo de templários. Seus hábitos e crenças estavam feridos. A moral cristã ofendida. Por muito menos que isso, correra sangue em grandes batalhas. Em nome da Santa Igreja os templários haviam prometido morrerem, se necessário, para defenderem a honra da cruz.

Imediatamente sacaram de suas espadas e, em prontidão, avançaram sobre o grupo de selvagens.
Os índios silenciaram imediatamente e, surpresos com a ameaça, recuaram alguns passos. As espadas erguidas refletiam o sol poente e apenas os pássaros atreviam-se a quebrar o silêncio.
Estranhamente, também os templários emudeceram. Seus olhos outrora acostumados a ameaçar guerreiros árabes, enchiam-se de dúvidas diante de um pequeno grupo de seres nus e desarmados. Suas mãos sempre firmes para brandir espadas estavam trêmulas diante daquela tímida multidão.
Naquele momento aconteceu algo fantástico: A Arca emitiu intensos raios azuis e iluminou todo o grupo. Um menino índio caminhou lentamente em direção à Arca. Seu rosto tornou-se transparente quando chegou bem próximo da Sagrada Arca da Aliança e, lentamente, estendeu a mão sobre ela.
Com ar solene e com o rosto iluminado a criança voltou-se para o grupo de templários e falou em tom firme a única palavra que os desafiava há mais de trezentos anos: – AVENKAAL!
Caíram as espadas num murmúrio generalizado. O mestre dos templários dirigiu-se ao menino e perguntou ansioso:
– O que significa Avenkaal? O que vocês sabem sobre isso?
Um velho índio aproximou-se do mestre, olhou-o nos olhos e falou com firmeza:
– In flumine margine venite.
Os templários o seguiram atônitos. Entenderam-no perfeitamente pois o selvagem havia falado em latim, a língua que eles mais utilizavam. E estava claro que ele dissera para virem até a margem do rio e compreenderam que o dom de número sete da Sagrada Arca havia se manifestado. O dom da comunicação plena (communicatio) permitindo que falantes de línguas muito diversas ouvissem palavras comuns. Compreenderam também que os dons da Arca Sagrada não lhes estavam reservados. Os poderes eram passados também aos selvagens.
Caminhavam pela planície arenosa o velho índio e o mestre ladeados por mais dois templários. Durante o curto trajeto imaginavam como lhes seria revelado o segredo que atormentava suas vidas: o significado da palavra Avenkaal.
Chegando à margem do rio a poucos metros de onde estava o barco dos guerreiros da cruz, o grupo parou. Os templários olharam fixamente para o índio. Durante algum tempo o selvagem manteve-se em silêncio observando o sol poente como que em transe.
Ansiosos os templários o observavam curiosos por momentos que demoravam uma eternidade. Até que, por fim, o velho índio olhou para eles, apontou para a outra margem do rio, no sentido norte e falou: – Itapocu. Depois, com o outro braço apontando para o sul: – Camboriú. Por fim, mostrou-lhes a correnteza rio acima e finalizou: – Avenkaal.
O índio deu meia volta e retornou ao local onde estava o grupo maior. Os templários ainda demoraram-se olhando fixamente rio acima onde o horizonte escondia o segredo da palavra que os templários fizeram gravar no mármore da coluna principal da Catedral de Chartres.
Ao retornarem para o local onde o grupo se reunia notaram que os índios lhes preparavam uma grande ceia com frutas perfumadas, peixes e crustáceos deliciosos que eram abundantes na foz do grande rio.
Ficaram por um tempo como hóspedes dos índios e viram como era agradável e feliz a sua vida banhando-se continuamente no mar e no rio sob um sol generoso e belo.
No dia da partida, reuniram-se todos à margem do rio. Enquanto embarcavam os templários e seus símbolos sagrados, o mestre aproximou-se do velho índio, e falou-lhe:
– Tibi gratia, amicus. O velho índio sorriu e lhe respondeu:
– …et conflabunt gladios suos in vomeres et lanceas suas in falces non levabit gens contra gentem gladium nec exercebuntur ultra ad proelium.
O barco já subia o rio e os templários interrogavam-se sobre as palavras do velho índio. Eram palavras conhecidas, porém seu significado nunca havia sido tão carregado de sentido como naquele momento, em que estavam navegando no grande rio a caminho do Avenkaal.
O velho índio falara: ” … haverá um dia em que vocês forjarão de suas espadas, arados e converterão suas lanças em foices e um povo não levantará espada contra outro povo, nem aprenderão mais com a guerra.“
O que surpreendia definitivamente os templários era que as palavras que ouviram, um trecho da Bíblia, escrito pelo Profeta Isaías, fossem proferidas com tanta propriedade por um selvagem nu.
Muitos dias navegaram contra a correnteza. O rio era enorme e espalhava-se em grande inundação sobre campos e outeiros formando aqui e lá pequenas ilhotas, onde por vezes os templários faziam escala e acampavam durante algum tempo.
Passou Ilhota, passou um lugar onde índios gritavam à beira do rio: – Parariru, Parariru…, passou um lugar onde pôneis pastavam nas margens e brincavam como se estivessem no paraíso. Depois um lugar com uma Bela-Vista…
Certo fim de tarde, atingiram um ponto do rio em que a correnteza lhes parecia demasiado forte. Haviam recebido o dom de viribus herculis, a força descomunal, que a Arca lhes conferia e permitia que remassem com vigor levando o barco rio acima.

Mas no ponto em que se encontravam, por mais que remassem, não conseguiam vencer a correnteza. O rio estava cheio. Uma grande enchente estendia suas águas por sobre a floresta ribeirinha.
A noite desceu rápida sobre o grupo de templários que enfrentava as corredeiras. Quando conseguiam subir alguns metros, eram empurrados novamente rio abaixo por uma onda teimosa. Lutaram contra o rio durante muitas horas e, por fim, a escuridão da noite não os permitia que prosseguissem. Não encontravam um lugar seguro para ancorar o barco e por isso continuavam remando, tentando vencer a correnteza.
Quase vencidos pelo cansaço, os templários deram graças a Deus quando o barco encostou em um tronco de uma árvore semi-encoberta pela inundação. Rapidamente lançaram as cordas e amarraram o barco ao tronco. Resolveram passar a noite ancorados naquele local para prosseguirem viagem pela manhã.
…como prosseguirá a viagem dos templários? Estará longe ainda o Avenkaal? O que significa Avenkaal? Serão as espadas transformadas em arados?
O que significa: “Die Gedanken sind frei” ?
Não percam o próximo e emocionante capítulo…