CAPÍTULO X – As Armas vão para a Fornalha

…O pouso foi perfeito. Ao saírem da nave foram recebidos com alegria pelos índios. O mestre desceu e foi cumprimentar os nativos. Então tomou a palavra e perguntou-lhes:
– Ubi Summus? (onde estamos?) – Um índio imponente tendo um enorme gavião pousado em seu ombro aproximou-se do mestre dos templários. O índio, cujo nome era Bici, respondeu-lhe sorrindo:
– Ubi cor nostrum summus! (Estamos onde está o nosso coração). – E apontando para o Rio das Canoas completou:
– Venite. In Avenkaalio tibi portabo. (Venham. Vou levá-los ao Avenkaal.)….

ÁUDIO

Os templários seguiram para as canoas e atravessaram o rio. Na outra margem ficaram encantados com o que viram: O vale era muito fértil e plantações diversas se perdiam de vista. Plantas robustas com folhagens de um verde energético indescritível. Tomates, cenouras, abóboras, gilas, repolhos… Mais adiante, árvores carregadas de frutos. Uvas, maçãs, peras, figos, pêssegos… Campos de trigo e girassóis se estendiam dourando ainda mais o sol poente.

Então chegaram a um cruzamento de caminhos onde uma imensa fornalha ardia. Bici se aproximou e disse-lhes:

– Aproxima-se o tempo da colheita. Vocês chegaram a uma Esquina da vida. Essa fornalha é uma forja. Aqui fazemos instrumentos para as nossa culturas. Precisamos de metais para a construção de arados.

Sem dizer uma palavra, os templários começaram a lançar suas armas na forja. Espadas, lanças, armaduras, elmos, escudos… Todo o armamento que traziam foi fundido e destruído. Um sentimento de leveza tomou conta deles. Haviam se livrado naquele momento, da responsabilidade de defender a cruz pela espada. Já não existiam mais inimigos da cruz nem mouros, nem sarracenos, nem cruzados.

Bici trouxe da fornalha um braseiro em chamas. Tomou para cada templário uma brasa ardente e a colocou em suas mãos. A brasa não os feriu. Seus rostos ficaram tingidos de vermelho intenso e seus olhos brilharam como chamas.

Houve uma ceia simples e farta em que todos participaram repartindo o pão e o vinho. Naquela noite dormiram envolvidos por uma aura de felicidade que nunca haviam experimentado.

O dia nem havia amanhecido e o som distante de um sino os acordou. Bici já estava de pé e os aguardava para seguirem. Foram por um caminho com um Traçado reto ladeando os trigais. Quando os primeiros raios do sol iluminaram os pinheiros mais altos do morro, já estavam numa Praça grande e plana que terminava numa colina coberta de relva. Na colina estava plantada uma grande cruz de madeira.

A Sacrada Arca foi colocada nessa colina e, voltados para o oeste todos viam a sua frente uma montanha arredondada. Os raios do sol, ainda tênues, vinham por suas costas e iluminavam apenas a parte mais alta da montanha projetando uma grande sombra escura na parte mais baixa. Bici apontou para a montanha e falou:

– Lá é o Avenkaal. A montanha de energia sagrada dos nossos ancestrais. Avenkaal significa: “LUGAR DEFINIDO PARA O ENCONTRO”. Em breve, seu nome será alterado para Avencal, que significa: “LUGAR ONDE ACONTECEU O ENCONTRO”.

O mistério que durara mais de trezentos anos em torno da palavra que desafiara os sábios da Europa e que foi gravada como mistério insondável no mármore da coluna principal da Catedral de Chartres estava ali a sua frente. Para alcançá-lo e para compreendê-lo, fez-se necessária aquela peregrinação. O mistério do Avenkaal, para revelar-se, exigia uma metamorfose completa de quem o quisesse compreender.

Para isso os templários haviam viajado tanto, haviam naufragado e haviam alçado voo em uma máquina voadora. Para isso haviam recebido ensinamentos de índios nus. Para chegar ao Avenkaal, haviam recebido uma brasa na alma e abandonaram seu comportamento hostil e suas armas.

Agora eram outros seres. Vibravam em sintonia com os seres que lá encontraram e percebiam que foram conduzidos para aquele lugar por uma força suprema. Sua missão complementava o trabalho e a evolução alcançada por Bici e seu grupo.

Um raio flamejante do sol partiu da montanha que estava atrás do grupo. Esse raio incidiu sobre a cobertura dourada da Arca Sagrada e projetou-se no Avenkaal. Não havia mais necessidade de máquinas para voar. Haviam adquirido a leveza de espíritos e todos levitavam sobre a colina. Flutuando como plumas seguiram o raio de sol e voaram por sobre a Praça elevando-se em voo perfeito até o Avenkaal.

Aproximaram-se de alguns paredões de pedra de onde observavam uma cascata muito alta e esguia no fundo de um vale. Os raios de sol projetavam-se nas águas da cachoeira e criavam um imenso arco-íris. Nas paredes de rocha, os nativos haviam feito várias inscrições. Bici mostrou-lhes as inscrições e contou aos templários porque os esperavam.

As inscrições, relatou-lhes Bici, eram notações musicais. Haviam recebido de seus ancestrais uma flauta sagrada e sua missão era desvendar os segredos das notas musicais para encontrar a sequência áurea e executá-las na flauta. Todas as inscrições nos paredões do Avenkaal eram tentativas frustradas desse intento.

Os templários foram até o paredão e observaram as notações. Conheciam e estavam habituados a utilizar as proporções áureas. Tinham conhecimento da relação que havia entre a frequência das notas musicais e os ângulos que moldaram a Catedral de Chartres. Enquanto observavam as “pautas musicais” dos nativos, Bici entregou-lhes um cinzel de metal para que iniciassem seus cálculos.

Os templários iniciaram com algumas gravações experimentando a consistência da pedra. Como não lhes vinha inspiração para a música que haveriam de compor, desenharam alguns rostos representando o comportamento intrigado de quem busca solucionar algo que não sabe por onde começar.

Bici aproximou-se com seu grupo e chamou os templários para entregar-lhes a Flauta Sagrada. O mestre recebeu a flauta e experimentou-lhe o som. As notas saíam doces. As escalas eram afinadas e perfeitas. O mestre procurou entre seus pertences um pergaminho em que estavam registradas as frequências das notas musicais, que haviam sido utilizadas na construção dos templos góticos.

Com uma pena anotou em seu pergaminho uma sequência de cinco notas e suas frequências. Somou os números e dividiu-os por cinco, numa média aritmética simples.

A sequência das notas Fá, Sol, Mi, Mi (oitava abaixo) e Si tinha como média aritimética de suas frequências o número da proporção áurea: 1,618. O mestre dos templários estremeceu ante a descoberta dessa relação mágica e compreendeu que ali se realizava um fechamento da epopeia que viveram e que os transformara em seres dignos dessa contribuição.

Todos se entreolham em silêncio. Compreendem que era chegada a hora. Toda a evolução… A compreensão dos mistérios sagrados, a jornada pelo oceano, o batismo nas águas do rio, a força motriz do pensamento livre, a engenhosidade da máquina de voar o abandono da violência, da matéria, o sentido da vida, a condução amiga dos irmãos guardiões do avencal, os segredos das notas musicais.

Chegou a hora.

Os templários e os índios levitam novamente e deslizam em voo suave descendo o Avenkaal. Agrupam-se todos junto à Arca no centro da praça da Santa Cruz. Dão as mãos uns aos outros, seus rostos se transfiguram. A Arca vibra em um arco-íris de luz com todas as cores. Todos têm os rostos iluminados e sorriem olhando para o céu.

O mestre dos templários toma então a Flauta Sagrada e vai fazer soar o Avenkaal. O lugar definido para o encontro. Quando ele inicia a sequência de notas revelada na proporção áurea…

…Chegou a hora. O Avenkaal vai tornar-se Avencal…
A vida é muito mais que a vida.

A igreja de Urubici tem no lugar da mandala do tempo, apenas um semicírculo. A vida não começa às 6 da manhã e termina às 6 da tarde (quando bate o sino). Existe um tempo obscuro (representado pela noite) que nos reserva uma parte desconhecida…

Não percam o eletrizante epílogo dessa história…