Brerada

 

 

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MOMENTOS MÁGICOS – BRERADA 2016

 

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UM OLHAR SOBRE NÓS MESMOS

 

Um Olhar Sobre Nós Mesmos

Os olhos são velas acesas,
são janelas da alma,
são cadeias de sentimentos.

Tantas coisas são os olhos,
tantos molhos dessas chaves que abrem
e sabem outros tantos segredos!

Podemos ler nos olhos a sede pela mudança,
ter olhos de assassinos ou de crianças.
Podemos ter olhos cansados ou conservá-los meninos.
Podemos mesmo não ver quando olhamos,
pois muitas vezes nem enxergamos de tanto olhar…

Podemos conservar nos olhos a surpresa,
como quem represa a natureza do espanto.
E para tanto, devemos desatar as amarras
que nos fecham os olhos e fazê-los brilhar
com os ares da inocência que ainda não se desfez,
para que se conserve a ciência
de olhar o mundo como pela primeira vez.

É hora de incendiar a sensibilidade,
para ver se surge algo
além desta crepuscular cegueira para tudo quanto há de beleza.
Porque a crueza sem hora nem vez fez-se senhora
deste mundo com telas frontais que só mostram sangue e dor.

E todos os dias nos são ofertadas novas canções,
novas porções de sensibilidade, de criatividade, de construção de mundo.
Mas ainda é o moribundo frio de auroras que, ainda agora,
predominantemente captamos pelas antenas
que insistem na música de estranhos.

É… e às vezes parecemos estranhos quando estamos na tela.
Somos propensos, talvez por causa dos sonhos e sentires,
à solidão de astros e montanhas,
aos risonhos caminhos sem rastros
e às estranhas lágrimas ante os tons que a vida produz.

Agora, ousemos pedir silêncio para que seja apreciada a nossa música .
Lancemos um olhar sobre nós mesmos
na tarefa de vivermos um momento feliz.
É nesses momentos felizes em que podemos ver
um brilho intenso em nosso próprio rosto.

Que brilhe, portanto a nossa luz.
Que nossos rostos traduzam a felicidade.
Que nossos gestos repitam os graciosos movimentos das flores ao vento.
E que nossos olhos se abram para a beleza
da nossa performance de atores premiados na vida.

Luzes, câmera, ação…
Todos a postos para encenar a vida real.
Somos filhos do Universo e fomos feitos para a felicidade.
Somos estrelas e nosso destino é brilhar.

Afinal, todo ser humano é cor, é som, e é luz…

 

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Um Olhar Sobre Nós Mesmos – (Texto em PDF) – Para baixar o arquivo CLIQUE AQUI com o botão esquerdo do mouse e selecione “salvar link como…”

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Caminho_Brerada (Custom)
Todos os caminhos levam à Brerada

Hino oficial do encontro dos Broering em Angelina, nos dias 23 e 24 de Julho de 2016

 

Dá-me um pouco de ti

Somos sementes de um mundo melhor
Quem nos plantou foram nossos avós

/Dá-me um pouco de ti
Leva um pouco de nós
Segura a minha mão
E solta a tua voz/

Se estás comigo, não estamos sós
Bem vindo amigo. Temos uma só voz.

(Tuti 03/06/2016)

 

Para baixar a música CLIQUE AQUI com o botão direito do mouse e selecione salvar link como…

VERSÕES EM VÍDEO:

 

Versão em Ritmo de Tango

 

 

Versão para Banda Marcial

 

 

Versão para Dança em Ritmo de Country

 

 

Versão para Orquestra
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MAPA DA BRERADA

Como chegar em Angelina?
Como localizar a casa da Adélia?
Como chegar ao Hotel das Freiras?
Como chegar ao Sítio Tutti-Frutti?

Simples: Baixe o arquivo em PDF e imprima para levar no carro.

Para baixar o mapa, CLIQUE AQUI com o botão direto do mouse e escolha “Salvar link como…”

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O LOBISOMEM E A CUECA BRANCA

Esta é uma estória antiga… Ninguém se preocupe com o que aqui for relatado. Nem esta matéria, nem nada do que está publicado neste site, pode ser tomado ao pé da letra. A riqueza da ficção é, não só, a imaginação de quem conta o causo, mas também a imaginação de quem o ouve.
Se não fosse assim, não teria graça. A ideia é recontar as coisas e acrescentar um ingrediente novo. Portanto sempre que eu disser que é fato verídico, vocês sabem que é pura mentira. Tá combinado?

Pois o Tio Ataide, numa noite dessas de fim de semana, colocou seu terno branco, seu chapéu branco, suas meias brancas e sua cueca branca e saiu para a Praça para conversar com uns amigos e beber uma bitruquinha.

Ele morava ali no começo do Riacho. Passava pela igreja, subia um pouquinho, ali por perto da atafona do Bateti, depois pegava a estradinha do Riacho passando pela casa do Seu Nico Souza…

O Ataide chegou ao bar e o pessoal estava contando estórias de fantasmas, aparições e coisas do outro mundo. Ataide até riu das estórias… (como é que alguém fica com medo dessas bobagens?)… E ficou ali tomando os traguinhos até perto da meia-noite, conversando amenidades com o Nego Tico.

Na volta para casa, a rua estava completamente escura e os sapos faziam um coro enorme. Além disso, naquelas noites de verão, os grilos cri-crizavam respondendo ao coral dos batráquios.. Deu um medinho. Ele resolveu passar pela frente do salão paroquial e seguir próximo à casa do Lauro Andrade porque o Seu Lauro sempre deixava uma luz acesa na frente da casa.

Depois que começou a subir o morro, ouviu um uivo muito alto.

– Arrrah! Guapecada dos inferno! Vão deitá jaguarada!

Ele ralhou com os cachorros do Bateti e mais uma cadelada da Preta que latiam ali no começo do morro. Depois, fez-se um silêncio enorme e o Ataide sentiu um arrepio na espinha. Resolveu acender um cigarro pra ver se alumiava alguma coisa.

– Cô, cô, cô, cachorrada!… – O medo era tão grande que ele já tava pedindo a companhia dos cachorros. E assobiava: fiu fiu..

Silêncio.

Ataide escutava o ruído dos seus passos e as batidas do próprio coração.

De repente, na escuridão total, ele escutou claramente:

– ATAIIIIIDEEEE!…

Ele deu um salto e escorregou na vala ao lado da estrada. Seu sapato engraxado com a pasta Odd (adivinhe o que brilha mais, o assoalho da mamãe ou o sapato do papai?)… aquele barro liguento do Riacho subiu–lhe pelas meias e enlameou a barra das calças brancas, engomadas com carinho pela Julinha.

Ataide ficou quieto, enfiado no barro esperando entender que grito era aquele. Enquanto saía da lama e se limpava, novamente o grito ecoou no Riacho:

– ATAIIIIDEEEEE!…

Pois agora foi pior. Ele escorregou e caiu de prancha na lama, sujando todo o terno branquinho. Mas a coisa era séria! Tinha que ficar escondido ali até decobrir o que vinha vindo pela estrada. Ataide armou–se de uma pedra grande e ficou encostado ao barranco com os pés enfiados na lama.

– Se vier essa alma penada eu lasco uma pedrada – Pensou.

Então. Oh Céus… Um matinho se mexeu. Ataide perdeu a respiração e quase morre de susto com o que viu pela frente: Uma espécie de cachorro, com a forma humana. Olhos vermelhos como fogo, presas enormes, e a lingua grossa balançando focinho abaixo, empapada em baba viscosa. As orelhas eram pontudas e o ser tinha também garras pontudas e um rabo peludo. Pelos aliás, abundavam. Desde a região onde naturalmente abundam até a testa. Tudo peludo.

Ataide ficou sem fala. O bicho se aproximou e falou com uma voz rouca e animalesca:

– ATAÍDE! TEM UMA CARTA PARA VOCÊ. – E estendeu–lhe um envelope.

Isso era demais… Ataide lembrou que era sexta–feira e meia–noite. Não havia dúvidas. Era um lobisomem que queria atacá–lo. Rapidamente, atirou a pedra que tinha nas mãos. Acertou bem no… Bem, a mira era pra ser mais para cima… mas acertou… acertou bem ali… Ataide confessa que errou porque pretendia acertar a cabeça do bicho.

O importante é que o bicho sentiu. E sentiu pra valer. O lobisomem pôs–se a correr uivando de dor e sumiu na escuridão.

Refeito do susto Ataide chegou em casa todo sujo e arrepiado. A Tia Julia foi abrir a porta e assustada perguntou:

– Ataide, você tá todo sujo! O que foi que aconteceu?

– Saí todo branquinho, – respondeu o Ataide – mas um lobisomem me perseguiu na estrada e eu caí no valo. Sujei toda a roupa branca.

– Sujou tudo? – Lamentou–se a Tia Julia que havia passado trabalho alvejando o terno.

– Tudo não – respondeu o Ataíde – a cueca se salvou e ficou branquinha.

Mas ao tirar a roupa, Ataide ficou estarrecido: A peça de roupa que estava mais suja, aquela que tinha uma matéria marrom-amarelada era justamente a cueca.

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Clique aqui: O Lobisomem e a Cueca Branca.pdf para baixar o arquivo em PDF.
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Perguntas que não querem calar:
Você conhecia esta estória?
A estória era diferente? Ou era mais ou menos assim?
Você acha que era um lobisomem mesmo ou o Ataide viu coisas?
Urubici tinha lobisomem?
O Doutor Edmundo atendeu alguém naquela semana com um machucado na região da Bósnia?
Quem era o personagem que o Ataide encontrou?
Matéria marrom-amarelada? Que merda é essa?

 

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O SENHOR DEFENDE UM OVINHO?

Quem souber esta estória, conte-a a seu modo. A minha versão pode conter atributos ficcionais incompatíveis com apreciadores de modelos científico-literários. Por isso, aconselho aos leitores que se aventurarem por este texto a abandonarem agora qualquer compromisso com a razão.

Nos idos dos anos 60, Urubici era uma cidadezinha perdida no fim do mundo, obscurecida por montanhas e estradinhas intransitáveis.

Mesmo assim, os contatos com o “mundo exterior”, em raras ocasiões eram celebrados harmonicamente nas visitas de seres do “além-Panelão” que apareciam por Urubici sem que ninguém os chamassem.

Era o caso dos mascates: pessoas que enfrentavam a cerração e o frio e achegavam-se aos moradores para uma cerimônia de encantamento e deslumbre. Nesse cerimonial eram abertas algumas malas misteriosas que os mascates traziam e encantavam os moradores de Urubici com mercadorias nunca vistas: sedas, caxemiras, camisas volta-ao-mundo, meias finas para senhoras, peças íntimas inéditas… Tudo ali, à pronta entrega. E a preços flexíveis. Começam por 12 cruzeiros, mas podem baixar para 2 cruzeiros no fechamento do negócio.

Outra coisa: os mascates eram os representantes mais perfeitos dos “seres do mundo exterior“ que habitavam regiões longínquas. Em geral eram libaneses ou turcos. Os mascates expressavam-se mal em português e falavam com um sotaque complicado. Mas, eram exímios matemáticos e faziam contas de cabeça com a rapidez de um raio. Por isso, às vezes a conta final dava 120 cruzeiros, mas o turco emendava ligeiro:

– Mas, bode fazê desconta para freguês. Esse camisa tá pra 10 cruzeiros, endão, se leva mais duas camisa, eu dá de crassa uma sutian, e inda tem desconta de 25 percenta.. Freguesa leva tudo por 165 cruzeiras…

E rapidamente o mascate fechava as malas, pegava o dinheiro e ia embora sorrateiro. Encantados com as mercadorias, as pessoas nem percebiam que haviam pago um pequeno acréscimo…

E todo mundo gostava dos mascates. Davam-lhe um lugar para dormir e comida, porque na cidade não havia hotel nem restaurantes. A hospitalidade com que brindavam os mascates, contudo não significava, que a conta final deixasse de ter aquele “descontinho” que fazia a conta crescer.

Na casa da Tia Luci e do Tio Pedro, no Vacariano, aportou uma vez uma dessas criaturas. Tio Pedro comprou umas camisas volta-ao-mundo e um chapéu de feltro e acabou pagando aquele “adicional de ligeireza” ao turco.

O Tio Pedro era devagar… mas ficava ruminando a conta. Ele era do comércio e nunca botou pra perder enquanto vendia cachaça e fumo para os italianos e os negros que acorriam no fim do dia a sua venda no Vacariano pra jogar conversa fora sob uma luz bruxuleante da lamparina jacaré.

O Tio Pedro, após as compras, cumpriu o dever de hospitalidade e levou o turco para casa para lhe dar almoço.

– Como é seu nome, moço? – Perguntou o Tio Pedro com cordialidade. – É Arend Al Kadif, mas bode me chama de Arend. – Respondeu o turco que estava faminto e precisando de um rango caprichado.

A Tia Luci recebeu o estrangeiro com a simpatia de sempre, estampada naquele sorriso de anjo que só a “Tia Zinha” mesmo podia ter. Ela tinha um arrozinho, duas batatas, e… mais nada. Luci correu ao galinheiro e trouxe uma cesta com mais de 30 ovos.

O turco sentou-se à mesa e o Tio Pedro silenciosamente ruminava a conta que acabara de pagar. (treis veis oito, vinte e quatro, vão dois… ) Tia Luci trouxe 6 ovos fritos e colocou-os na mesa. O turco se atracou na comida como um condenado. Comeu os 6 ovos de uma garfada. Tia Luci voltou para o fogão e fritou mais 6 ovos.

O Tio Pedro continuava calculando. (oito e seis quatorze, mais cinco, dezenove…)

Quando voltou com a nova fornada de ovos, Tia Luci perguntou num cochicho para o Tio Pedro:

– Como é o nome do homem, Pedro? – Tio Pedro lembrou do Turco falando: “É Arend Al Kadif, mas pode me chamar de Arend”, e traduziu para a Tia Luci: – O nome dele é Defende al Churiço, mas pode chamar ele de Defende.

E a tia Luci se aproxima do mascate com a frigideira perguntando:

– O Senhor Defende um ovinho?

Nisto o Tio Pedro chega ao fim das contas e percebe que foi enganado (… turco sem vergonho!)
Tia Luci insiste:

– O Senhor defende um ovinho? – O turco levanta os olhos e responde:
– Sim. Eu defendo!

Aí deu um impre no Tio Pedro. Um impre, como sabem, é algo incontrolável, principalmente se é um impre ruim. Quando ouviu a resposta do turco, Tio Pedro passou a mão num ovo frito e acertou a testa do mascate:

– Defende este seu Turco sem vergonho! – O mascate não defendeu…

A história poderia ter um final imprevisível, mas… foi muito boa. A Tia Luci ria muito da situação e falou para o mascate:

– Então defende esse! – e também atirou-lhe um ovo frito por cima do nariz.

Neste ponto, o Tio Pedro levantou-se e alcançou a cesta de ovos.

– O Senhor defende este também? – E mandou ovo. Tia Luci ria alegremente da brincadeira e também começou a jogar os ovos da cesta no mascate.

O Turco correu assustado. Embarcou em seu Mercury 1947, que estava estacionado na frente da casa e partiu colhendo a poeira da estrada do Vacariano em sua cara suja de ovos.

– Turco sem vergonho! – Disse o Tio Pedro rindo como só ele ria. Chorava de rir junto com a Tia Luci, que no final de cada gargalhada, antes de começar outra, ainda dizia: – Ai, ai… – E gargalhava novamente sem parar.

O mascate, Senhor Arend, voltou para o “mundo exterior” e nunca mais foi visto na região.

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Você já se enganou com o nome das pessoas?

Você já deixou escapar, chamando respeitosamente a Cecília-Louca de Dona Cecília-Louca?

Você sabia que a Tia Luci e o Tio Pedro acertaram os ovos, ou pensava que o mascate havia se defendido usando o prato como escudo?

O que você achou mais engraçado nesta história? O Turco ter comido 6 ovos, ou que raio de galinheiro era aquele da Tia Luci, que rendeu uma cesta com mais de 30 ovos na hora?

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A Menina do Sorriso

Mal o dia amanhece e ela se põe na estrada. Passos ligeiros. Os livros escolares
apertados contra o peito. Montanhas azuis, cerração e geada. Margeando a cerca de
arame congelado uma menina magrinha e agasalhada com uma touca de pelúcia
segue no caminho da escola.

Quando ela chega a escola ainda está vazia. Então ela senta no banco do corredor e
confere os cadernos cuidadosamente encapados e etiquetados com o seu nome e
com o nome da matéria em que será utilizado.

Mais tarde na sala de aula, as crianças esperam com ansiedade a chegada da
professora. É o primeiro dia de aula e todos estão ansiosos para conhecer a
professora. Um mistério está prestes a ser decifrado.

Então o trinco da porta se move lentamente. A porta se abre e todos se levantam para
receber a mestra.

A professora observa os alunos com satisfação, passa os olhos pelos olhares curiosos
de todos os pequenos e para quando encontra um olhar. É um olhar especial. Uma
criança que sorri com os olhos, sorri com o rosto todo, sorri com a alma. A professora
se detém encantada.

O tempo estaciona para a mestra e ela fica longo tempo contemplando a criança que
lhe dirige aquele sorriso.

Se esta rua, se esta rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes,
Para o meu, para o meu amor passar.

Os sentidos se tornam vagos. A professora esquece seu ar de autoridade. Seu
pensamento voa no espaço sobre pessegueiros floridos e sabiás distraídos. Os livros
da professora se soltam da mão e caem no chão da sala de aula.
O ruído dos livros no piso traz de volta a professora.

Ela dá por si e vê que a menina do sorriso está ali no seu lado e estica o braço pra lhe
entregar os livros que caíram.

A mestra não se contém e abraça com carinho aquela aluna especial.
– Obrigada querida. Como é o seu nome?
E a criança, no auge da felicidade:
– Meu nome é Maria Leuny!

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A porta

Achei uma porta.
Não me importa onde leva.
É uma porta.

Há um ferrolho colado.
Oxidado.
Nas trevas.

Como saber o que há do outro lado?
Não importa.

Não quero ficar pra ver a goteira
Que pinga da abóboda arruinada
Da consciência da humanidade.

Só o que interessa
é que há uma porta
Cerrada e sem chave

Mas é uma porta.

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Canto de Carminha
(Tuti)

Perdi meu olhar no tempo daquelas coisas que eram.
Do tempo das folhas secas que sob os pés estalavam
E das cascatas cristalinas que ruidosas rolavam.
E do Chuá-chuá que acordava pra saudar a chuva
Que regava com cuidado nossa maçã e a uva.
Chuuuuuuu… Aaaaaaahhhhh…

E à noite o ar se enchia…
Do perfume de jasmins prateados
Que salpicavam a varanda
Sob o luar de um estio encantado.

Perdi meu olhar no tempo
Das boas coisas que eram.
Tenho saudade de mim,
Da força de caminhar sete léguas
Pra levar um pedaço de pão,
Uma palavra, um olhar…
A quem não tinha do que viver.

Nas manhãs, o cheiro bom do café
Nascido à sombra e torrado ao fogo brando
Pra ir aos poucos, os dissabores queimando.
E o sabor fresco e calmo de doces figos,
Pêssegos e marmelos cozidos em calda
Pra celebrar a vida e adoçar os amigos.

Achei meu olhar no infinito
Das coisas que sempre são
Tenho bagagem bem leve
Cabe apenas em meu coração
Boas lembranças e o bem
O resto deixei no caminho
E talvez possa servir alguém.

Achei meu olhar nos olhares
Dos jovens que me contam a idade.
Mas o tempo é todo de Deus.
Nosso tempo não tem validade
E se a vida tivesse pra mim
Um novo início agora
Viveria tudo de novo
Do mesmo jeito de outrora.

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PROGRAMA DE ÍNDIO*

* NOTA: Nenhum índio e nenhum animal foi maltratado na escritura deste conto.

O boteco exalava um cheiro doce de cana no ar. A mesa melada de cachaça atraía moscas. Num canto escuro o índio fungava uma cantiga lúgubre:
Hoooo pom makure… Ebá, ebá ebá!
Atirei-lhe uma moeda. O níquel rodopiou caprichosamente na mesa molhada de cachaça.

O índio não moveu um músculo. A moeda tilintou e pousou rente à mão do índio feito peão em fim de seu ciclo de giro. Ele olhou longamente para a moeda. Os olhos inchados, fixos e inexpressivos. Por fim apanhou o dinheiro com certa dificuldade por causa das unhas em toco. Levantou os olhos brilhosos para mim e abriu um sorriso meio banguela.

Aproximei-me da mesa e ele acenou para que eu me sentasse.
– Você conhece o Morro do Bugio?

O índio olhou-me com espanto. Sem dizer uma palavra estendeu para o vendeiro a moeda que ganhara. Seu copo foi imediatamente enchido com cachaça até a borda.
– Preciso que você faça um trabalho pra mim lá no alto do morro – insisti. O índio tomou o copo pela borda superior e, com certo tremor levou-o à boca. Sorveu a pinga de um só gole como se fosse água. Depois permaneceu com olhar no infinito como se enxergasse algo etéreo por sobre a minha cabeça.

Como ele continuasse calado coloquei mais duas moedas na mesa. O índio lançou-me um olhar de dúvida e perguntou:
Qualé o trabaio?
– Preciso que você faça um roçado. Só as árvores pequenas. É pra marcar a divisa do terreno. Eu comprei aquelas terras.
O siô sabe qui é qui tem lá?
– Tem mato. Não quero derrubar o mato. Só quero tomar posse do terreno pra que os outros não entrem lá e derrubem a floresta.
É qui lá tem os Gabirá. Espírito sem descanso. Era cimintério índio.
– Está bem. Não vou incomodar os espíritos. Depois que fizer a cerca eles vão ficar sossegados.
Os Gabirá não deixa! Nóis temo que pedi licença e vê si eles deixa nóis entrá.

Coloquei uma nota de vinte Reais sobre a mesa e falei com firmeza:
– Tá bem! peça a licença. Amanhã bem cedo nós vamos subir o Morro do Bugio.
O índio não pegou o dinheiro. Apenas olhou-me com a superioridade de quem conhece segredos e falou com voz grave:
Não é licença pra eu. Ocê vai lá e pede pros Gabirá se pode fazê o serviço no cimintério índio.

Eu já ouvira estórias sobre a existência de um cemitério indígena no terreno que comprara para o Sítio Tutti-Frutti. Não que tivesse medo das aparições que contavam nas vendas de Angelina, mas não pretendia me aproximar daquela área. O local indicado pelo índio era de difícil acesso, no alto do morro. Meus planos não incluíam a utilização do antigo cemitério. Queria apenas demarcar a terra e utilizar as pastagens próximas à estrada para construir minha casa.
Também queria deixar claro ao índio que não tinha medo dessas coisas. Minha geração demitizou os fantasmas, clareou as ruas com eletricidade e deu às pessoas emoções seguras em games e filmes 3D, com toda a espécie de monstro e criaturas estranhas. Para nós a segurança estava num click de mouse. Caso a criatura demonstrasse agressividade acima do suportável… CLICK… e os monstros sumiriam da tela.

Tomei novamente a nota de vinte e a coloquei na mão do índio: – Amanhã de manhã, então vamos lá para pedir licença aos espíritos.
O índio sorriu sem jeito:
– Não pode ser de manhã. Tem que ir de noite. De dia os Gabirá tão dormindo…

Fiquei impressionado como a minha visão era débil em relação a do índio. Eu tinha uma lanterna na mão e escolhia cada parte do caminho onde colocar o pé. Quando a lanterna apontava para o chão um galho me batia na testa. Quando o foco procurava pela ramagem eu tropeçava em troncos atravessados. O índio, ao contrário, caminhava longe da lanterna desviando os obstáculos com extrema destreza. Quando ele sumia na escuridão eu o chamava:
– Ei, índio! Espere por mim.

De repente ele parou. Fez sinal colocando o indicador sobre os lábios para pedir silêncio.
Escuita só…
– O quê?
Os Gabirá já nóis viram!
– E então? Vamos pedir a licença e descer logo.
Não! Eles tão chamando nóis. Eles ficam chorando pruquê tão preso no cimintério. Eles quer que nóis chegue perto pra saber se nóis é abaetê, gente boa.

Havia um paredão rochoso no qual a lanterna revelara a existência de desenhos de símbolos indígenas. Aproximamo-nos do paredão e esgueiramo-nos junto à rocha. Havia apenas uma passagem estreita que subia pela parede rochosa tendo à direita um precipício do qual não se sabia a profundidade. O índio ia na frente e eu o seguia com respiração ofegante. De repente, escutei claramente uma voz rente ao meu ouvido:

Abaçaí! Babaka abaçaí!

Voltei-me para trás e iluminei a retaguarda buscando a origem daquela voz. Não havia ninguém. Perguntei ao índio se tinha ouvido algo. Ele negou com um movimento de cabeça e novamente colocou o indicador sobre os lábios me pedindo silêncio. A voz me disse algo impronunciável. Com certeza algo em uma língua que eu nunca ouvira. Mas era impressionante o tom da voz que me falou ao ouvido. Não posso esquecer a maneira como a voz me falou. Era um tom esganiçado e parecia emitido por alguém desesperado.

Continuei pelo caminho quando senti que pisara em algo mole. Imediatamente ouvi com clareza, bem junto aos meus pés, um choro de criança. Apontei imediatamente a lanterna para os pés mas não vi nada. Eu suava frio e queria sair dali o mais rápido possível. Gritei:

GABIRÁ… SOU AMIGO! QUERO FAZER UM ROÇADO!

O caminho era estreito. De um lado o paredão de pedra. Do outro o precipício escuro. Iluminei o caminho em frente e não achei mais o índio.
– Ei índio! Espere por mim!
Não houve resposta. Uma coruja assustou-me com uma espécie de risada que ecoou entre as rochas e a floresta. Calculei que era hora de descer. A brincadeira havia ido longe demais.

Quando dei meia volta na trilha estreita senti que alguém segurava meu braço. Girei a lanterna rapidamente para ver quem me tocava. Não podia ser pior: a lanterna despencou pelo abismo. Olhei para baixo e vi o facho girando e batendo em galhos até estatelar-se contra o solo apagando-se por completo.

Perdi meu guia e perdi minha lanterna. Não sei como, mas vou descer no escuro tateando o paredão rochoso. Disso eu tinha a certeza: o caminho teria que ir para baixo, tendo sempre à minha esquerda o precipício e à minha direita o paredão. Não poderia errar. Ao final da trilha precisava entrar na floresta e seguir sempre descendo o morro. Eu planejava minha estratégia de descida enquanto já a punha em prática.
– E o Índio? – Dane-se. Ele é bem esperto na floresta. Eu é que preciso de sorte para não cair no precipício sem lanterna e com as pernas bambas de medo.

No escuro é difícil saber se você está subindo ou descendo. Tive a impressão de que a trilha de volta que deveria descer era um caminho que subia. Haviam degraus de rocha e não havia dúvidas: eu estava subindo. Fiz meia volta e voltei pela mesma trilha. Novamente percebi que subia também por esse lado. Voltei a girar procurando a descida. Em vão. Qualquer lado que eu fosse me levava cada vez mais para cima.

Sem alternativa, resolvi seguir a trilha para ver onde daria. A subida continuava cada vez mais íngreme, até que alcancei um lugar plano e muito alto. O lugar estava gelado. Uma densa neblina cobria tudo. Parei sem saber o que fazer.

De repente, notei que a neblina filtrava uma luz tênue de cor violeta. Diante dessa claridade consegui enxergar um pouco. Percebi que havia um outro paredão de pedra. Segui em frente e encostei-me na rocha.
Naquele ponto havia uma reentrância de pouca profundidade como se um portal houvesse sido entalhado na pedra. Achei que era um abrigo apropriado para me esconder. Fiquei ali, num local mais escuro e olhava para um lado e para o outro tentando entender que luz era aquela.

Escutei uma espécie de lamento em um coro de muitas vozes. Algo assustador. Eu tremia tanto que nem percebi como, de repente, a neblina se dissipou revelando um local um pouco abaixo do meu esconderijo. Vi então o índio que me guiara até o alto do morro. Ele estava imóvel, com os braços levantados e olhava para o alto num gesto de súplica. Sem que esperasse, o índio começou a falar numa voz forte e poderosa:
Oh Angûera! Oh Gabirá!
Oh Ibi manu!
Uquirimbau Tuti joca caa ibi auá, ibi manu auá. Tuti cari. Tuti Abaetê.
Tutti-Frutti Abaetetuba.
Uquirimbau, angûera?
Uquirimbau?

(Oh espiritos! Oh espíritos!
Oh Terra dos mortos!
Peço permissão para Tuti derrubar mato na terra dos índios. Tuti é um bom homem branco. Pessoa honrada.
Tutti-Frutti será lugar cheio de gente boa.
Permissão, espíritos?
Permissão?)

Um clarão como uma série de raios iluminou a montanha. Um coro de vozes de lamento irrompeu ecoando pela mata. De repente uma voz fortíssima calou os lamentos e fez tremer a pedra em que eu me encostava:

Nítio! Tuti Abaçaí!
Nítio! Nítio!

(Não! Tuti é pessoa que espreita, persegue índios. Abaçaí!
Não! Não!)

As rochas tremeram novamente e um vento fortíssimo assolou a montanha. Os espíritos choravam em um coro de lamentações ensurdecedor. O vento parecia querer me derrubar, então levantei o braço e segurei-me numa espécie de galho que havia sobre o meu esconderijo, rente à minha cabeça. Um lufada poderosa fez com que eu perdesse o equilíbrio. Perdi a sustentação e fiquei pendurado no galho.

Para minha surpresa, sob o meu peso, o galho moveu-se para baixo como uma alavanca. A parede de pedra em que eu estava encostado abriu-se com um grande ruído. Percebi que abrira uma espécie de túnel cuja passagem a pedra estava bloqueando. Imediatamente vultos negros com formas aterradoras foram saindo do túnel.

Um sopro gelado veio do interior da rocha enquanto se ouvia uma gritaria dos infernos. Os vultos saíam gritando em desespero me empurrando e me atropelando. Senti as pernas sem forças e caí no solo com os olhos embaçados. Depois, tudo se apagou e tudo emudeceu…

Lembro que me imaginei morto, mas continuava pensando e tentando entender o que acontecera. O índio aproximou-se de mim e estendeu sua mão para que eu me levantasse. Pus-me de pé emudecido, sem palavras, assustado com o acontecido.

Segui meu guia índio no rumo da trilha, até que um vulto gigantesco pôs-se à nossa frente. Parei fitando a criatura que brilhava no escuro. Senti que dali não passaria. Dentre todas as fantasmagorias desta noite, esse índio gigante e fosforescente superava tudo: era bem real. Eu diria que diferenciava das outras aparições como uma imagem HD difere de uma analógica. Era nítido e real. O gigante olhou-me nos olhos e falou:

– Aweté Tuti. Aweté pinoerê angûera Gabirá. Aweté Tuti. Uquirimbau joca caa ibi manu auá !

O gigante falou e apagou… sumiu.

Tudo ficou em silêncio no Morro dos Bugios. Iniciamos nossa descida deixando para trás o cemitério índio. Quando já havíamos descido bastante a as luzes das casas já podiam ser vistas na estrada lá embaixo recuperei a capacidade de falar. Perguntei ao índio o que o gigante havia dito. O índio sorriu e me olhando nos olhos falou a tradução:

– Obrigado Tuti. Obrigado por libertar nossos espíritos de sua prisão. Obrigado Tuti. Pode roçar o mato no cemitério dos índios.

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Rock in Urubicio
Tuti 11/06/2016

Quié qui você pensa de andar por aí?
Descendo o Avencal parei pra fazer xixi.
Olhando lá do morro e nem te conto o que vi
Era um recanto lindo era Urubici

Passei numa pinguela, pinchei pedra no rio
Lacei um boi na cancha e meu chinelo caiu.
Falei pro meu chinelo: mas que merda rapaz…
Montar de chinelo nem Tio Lessi é capaz.

Deixei o meu cavalo no pastinho do Grupo
Falei pra gurizada que o cavalo é bem chucro.
Se chegarem perto ele dá coice em vanceis
Mas é inteligente e até fala Francês.

Eu vou lá na Esquina, na aranha do Tio
E volto de tardinha pra dançar um bugio
Eu tenho uns amigo no Traçado e o Baiano
Deixei o Nego Tico c’um churrasco assando.

A história ficou grande, vou cruzá o Panelão
E passo na Água Branca pra abraçar o Alemão.
Vô subir o Quebra-Dente até Rancho Queimado
E quarqué dia eu volto pra jogá um carteado.

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