Capítulo Final

Sentamos no ônibus parado para comer o revirado que a mãe havia preparado. O revirado era composto de pedaços de galinha com farofa. Acompanhava uma fatia de pão de milho e uma xícara de café gelado.

Partimos de Taquaras regenerados. Ninguém mais estava enjoando e Tio Lauro, como sempre, explicava:

– Agora faltam só duas serras, a do Morro-Chato e a do Morro do Cedro.

O Morro-Chato era pra lá de chato. As curvas eram todas iguais. A impressão era de que estávamos rodando em círculos. Quase uma hora até Rancho Queimado e então começamos a descer o Morro do Cedro. Era a última serra, mas tinha uma estrada muito estreita, com a vegetação invadindo o espaço do ônibus. As folhas e galhos raspavam as janelas num movimento divertido que pregava sustos nos passageiros.

De repente o ônibus voltou a correr numa estrada de areia. O dia clareava enquanto cruzávamos Águas Mornas e depois Santo Amaro da Imperatriz, a cidade em que moravam os Broering.

Agora a estrada era pavimentada com paralelepípedos. O Vica e eu não tirávamos os olhos do pavimento, imaginando quantas pedras haviam sido utilizadas e como aquilo era bonito. Por isso vieram rápido as cidades de Palhoça e São José. O ônibus passou por lugares cheios de casas e parou num posto de gasolina na Praia Comprida.

Vi as pessoas muito agitadas descerem do ônibus. Todas olhavam para fora com um sorriso no rosto.

Também desci para ver o que havia de interessante lá fora. E, então…

Estava ali, na minha frente e aos meus pés. A maior e a mais indescritível coisa azul que eu jamais havia visto. Parei por um instante, como que hipnotizado com aquela visão de algo tão inusitado que não parecia ser real. Tudo era tão lindo e tão infinito que não conseguia olhar completamente mas apenas em pequenas partes. Depois de um tempo de emudecida surpresa, consegui falar:

– Mãe, me ajuda a olhar!…

""

As ondas, muito brancas e luminosas, cobriam a areia dourada, deixando camadas fofas de espuma, que se desfaziam com o vento. Uma imensidão azul estava ali exposta e eu não sabia nem imaginara sua existência. Perguntei  ainda extasiado:

– Mãe, o que é isso?
– É o mar, querido – Respondeu ela com uma naturalidade surpreendente.

""

Então ela sabia que aquilo existia. Que o nome daquilo era “mar” e que estaria ali a nos esperar no fim de nossa viagem? E como é que ninguém nunca me falou da existência do mar, a coisa mais fantástica que existe em toda a Terra?

Ali olhando o mar tive um grande salto de aprendizado da vida: Para o mar fluem todos os rios. E todas as coisas vão para algum lugar.
E nós? Vamos para onde?
Todos fluímos como um rio procurando o seu estuário. É fundamental que conheçamos o nosso destino.
E que o nosso destino é diluir-se no infinito azul.

""

Continuei em estado de estupefação, quando o ônibus enveredou por uma ponte de ferro altíssima, coberta com trilhos de tábuas que estalavam na passagem dos carros. O sol oferecia um fulgor irreal espelhando-se nas águas azuis da baía em reflexos indescritíveis e de beleza celestial.

Chegamos à Igreja de São Francisco para a cerimônia de casamento da Alda e do Vevino. Sentei-me num banco de madeira ornado com fitas brancas e vi a Alda e o Vevino no altar. Ela estava de vestido branco e reluzente como uma miragem. Sorria feliz com flores nas mãos. Estas memórias ficaram nítidas apesar da tontura que sentia pela visão tão surpreendente do mar.

Minha história termina aqui, mas não acaba. Vi o mar e a cidade-ilha que o possui. Caminhei por suas ruas, senti os odores salgados e doces que ela exalava, e tive certeza de que esta cidade me acolheria:

– Vou morar aqui e olhar para o mar todos os dias.

Hoje, passados exatos 50 anos dessa epopeia, compreendo muitas outras coisas que me eram obscuras e sem sentido. Perdi quase todos os meus medos.
Quando ainda me assaltam as dúvidas, olho para o mar. Ele continua ali, como testemunha eterna da nossa passagem por aqui.

Nossa e de todos aqueles que nos acompanharam em nossa viagem, e que hoje, já encontraram o seu estuário e se diluíram no azul infinito.

As ondas com bordados de alvíssimas espumas continuarão a enfeitar as praias refazendo sempre os seus desenhos rendados buscando formas cada vez mais inusitadas.

Vevino e Alda, obrigado por tudo. Minha história também é feita de várias histórias. Estou na história de vocês e vocês são parte dos momentos mais iluminados e felizes da minha vida.

Um brinde à eternidade!

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