Capítulo I

Esta mininovela conta uma das várias histórias de VevinAlda. A visão de uma criança de 5 anos sobre seus medos a descoberta das coisas  sob sua visão. Uma história que propõe o conhecimento e a vivência como remédio contra o medo. Se você sabe de alguém que gostaria de conhecer ou de reler este texto indique o endereço:
avencal.com.br/o-sabor-de-59

Em julho de 1959 eu tinha 5 anos. Ia na venda do Seu Varella e ele já sabia o que eu queria: (balas de tutti-frutti). O velho Varella perguntava: – O que é que você quer?  Eu respondia de imediato, sorrindo:

– TUTI.

Nem precisava levar dinheiro. Saía da venda com as mãos cheias de balas.

Sentava na calçada e escrevia as palavras que a Alda e a Maris ensinaram, riscando o chão do terreiro com uma varinha . Eu tinha um pai meio brabo e durão. Ele já era “bem velho”, tinha 46 anos, mas brincava de cavalinho comigo, carregando-me às costas agachado, engatinhando ao redor da mesa. Às vezes o cavalinho dava pinotes… e aí que era legal: EEEIAAAA…

– …de novo pai…

Tinha 3 mães. E essa era a melhor parte: Minhas três mães nunca me deixavam triste. Mãe Elvira, atarefada e feliz me ensinava as orações. Fazia doces e me deixava raspar a panela onde o doce foi cozido, Mãe Maris e Mãe Alda, me carregavam no colo, mandavam assoar o nariz e penteavam meu cabelo. E me ensinavam as coisas: (Fui à venda e comprei 8 maçãs, comi 2, com quantas maçãs fiquei?) Acho que comi duas maçãs e enchi a pança, mas… sobraram ainda 6 maçãs… puxa, ainda posso comer muitas…

A noite do dia 8 de julho de 1959 chegou cedo, como todas as noites serranas do inverno de Urubici. O céu avermelhou-se no poente prenunciando a geada e mais uma daquelas noites inesquecíveis sob as cobertas de penas.

A mãe ajeitou bem minhas cobertas prendendo-as aos pés da cama para que não caíssem na madrugada. Ajoelhou-se como fazia sempre e segurou minhas mãos pedindo que repetisse a oração:

– Santo Anjo do Senhor…

Mezelózi gardador, Seu Atílio me confio… A peida divina sempre me rés gua digover, lumine
Amém.

– Amanhã nós vamos pra Florianópolis. Pro casamento da Alda. Dorme e descansa bem pra viagem.

O Vica, no meu lado, já roncava alto.

Às sete horas da noite, o pai desligou o rádio quando o som dos acordes iniciais da ópera “O Guarani” anunciaram na voz conhecida do locutor Herón Domingues:

– Na Guanabara, dezenove horas…fique agora com a Voz do Brasil…

Imediatamente a última lâmpada da casa foi apagada. A noite mergulhou no breu gelado. Nada se via. Olhos abertos ou fechados tanto faz… só escuridão.