Capítulo V

Eu estava bem assustado.E a coisa devia estar assustadora mesmo. Todos os adultos estavam com o rosário nas mãos e rezavam juntos respondendo as Ave-Marias que o pai puxava em pé no corredor.

Olhei para o rosto lívido de vários adultos e senti meu coração bater mais forte.

– Puxa! Será que era isso mesmo? Esse ronco de motor, esse cheiro de gasolina, essas paisagens passando pelo lado e essas estrelas correndo atrás do ônibus? Onde é que isso vai dar?

Tremi de medo do pensamento que atracou majestoso em minha imaginação: De repente esse ônibus pára, bem na choupana da Véia Greta… Pior: será que a Veia Greta não é o próprio motorista disfarçado? Ele iria incógnito até um ponto perdido por entre aquelas serras. Depois, desligaria o motor e aprisionaria a todos, incluindo os adultos e as crianças. Pensei como era magrinho e, por certo precisava de um rabinho de rato para quando a Véia perguntasse:

– Tuti, mostra o dedinho! – Aí eu passava pela fresta da gaiola a ponta do rabinho de rato. E ela: – Tá muito magrinho ainda!… – Que consolo! Por certo serei o último a ser comido pela Véia.

Escutei o ônibus freiando, o ronco do motor diminuindo, e, por fim vi que paramos. Levantei do banco sobressaltado: É agora, que a Véia Greta vai atacar! Tudo combinava. O motorista levantou-se do seu banco, e veio em direção aos passageiros tirando o chapéu e uma manta que levava enrolada ao pescoço.

– Ele é a Véia Greta!– Gritei a todos como alerta. – Tá tirando o disfarce!

Estranhamente, ninguém teve a mesma percepção que eu. Todos conversavam amistosamente com o motorista enquanto ele explicava que estávamos esperando a balsa.

Um menino com uma imaginação explosiva, nunca sabe quando o que vê é real ou é algo produzido por sua cabecinha-de-pinto-louco. Pois agora vem com essa coisa de balsa. Imaginei uma bolsa, bem grande. Estamos esperando a bolsa. Ou seja, vamos para a casa da Véia, dentro de uma bolsa gigante.

Aprender é imaginar, é lançar hipóteses, é dar respostas ao próprio cérebro. E descobrir as coisas novas era para mim um desafio constante. Queria mais e mais entender como as coisas funcionavam, porque eram do jeito que eram e tinha que ficar muito atento. Era preciso não descansar enquanto não tivesse uma resposta, uma hipótese, uma explicação provisória…

Essa viagem era um mundo novo de coisas totalmente sem explicação. Nem tinha idéia do que era Florianópolis, mas sabia que, por alguma razão nos lançávamos ao perigoso mundo do desconhecido. Ao mesmo tempo em que isso dava arrepios era desafiador. Quanta coisa nova para descobrir…

– Mãe!, o que é Balsa?
– É aqueles negócio grande que o ônibus vai dentro e passa o rio.
– … e nós Mãe? Vamos na balsa?
– O ônibus vai na balsa e nós ficamos dentro do ônibus.

O ônibus arrancou novamente e foi descendo devagar. Tio Lauro explicou:

– Vamos entrar na balsa

Puxa era realmente muito grande: O ônibus inteiro vai dentro…
Isso é um fim cruel. Porque tudo tínhamos que acabar na bolsa gigante da Véia-Greta?