Capítulo VI

O motorista desligou novamente o ônibus e escutei o ruído de um rio que murmurejava na escuridão. Dois homens ao lado do ônibus puxavam uma corda grossa e percebi que deslizávamos com suavidade no rio.

Olhei para o motorista com admiração. Ele sabe uma porção de coisas. Conhece a estrada, sabe o que é uma balsa e coloca o ônibus em cima para passar o rio…

Agora já sabia que muitas vezes o medo era sinônimo de desconhecimento. Essa certeza acompanhou-me pela vida. Ter medo é não conhecer. Para se gostar de algo é necessário saber mais a seu respeito. As crianças têm muita fome de conhecimento e por isso têm medo de quase tudo.

A essa altura, as curvas do Serra do Panelão desafiavam o medo. Os faróis iluminavam a espessa parede de neblina e o ônibus seguia serpenteando entre os barrancos e os precipícios.

Todos os olhos seguiam os faróis amarelados na busca de uma paisagem concreta. A estrada, contudo oferecia-nos apenas a neblina uniforme e perigosa.  Foi com grande alívio que ouvi alguém exclamar aliviado:

– Chegamos em Santa Clara.

Mas que alívio pouco duradouro… Atravessamos Bom Retiro e enfrentamos mais uma hora e meia de curvas e neblina na Lomba Alta.

Empinuscado na estradinha pela montanha, o ônibus atravessava pequenas cachoeiras que desciam por sobre a rodovia até cruzarmos uma ponte de madeira preta que nos trouxe o Barracão.

Ali fizemos uma parada técnica. O motorista batia nos pneus com um martelo e ouvia pelo som se estavam cheios. Abriu a tampa do motor e despejou uma lata de água no radiador que fumegava um vapor sem fim.

– Mãe, porque ele tá fazendo isso?
– Ele está batendo os pregos dos pneus e dando água pro ônibus que tá com sede…

Seria bom mesmo matar a sede mesmo, e também os pregos nos pneus não ajudariam em nada para o que vinha pela frente: O infernal Quebra-Dente, a Serra da Boa Vista, e a Serra da Navalha.

Essas três serras encadeadas fizeram um estrago enorme. Escutei alguém chamando uma pessoa que não conhecia:

– HUGO!…
… e mais alguém:
– Ô Huuugooo!.

– Mãe quem é o Hugo?

A mãe estava com a cara muito pálida e pediu para o pai abrir a janela bem rápido. Ela botou a cabeça para fora e o vento gelado desencadeou um vomitório tremendo:

– Hugo!…

Acabaram-se as três serras e paramos em Taquaras para martelar pneus, botar água no radiador e ir ao banheiro.

A privada era daquelas de “buraco-com-porco-embaixo”.
A mãe não gostou, mas eu e o Vica achamos divertido e mijamos no porco.