Capítulo II

Um arrepio me percorreu a espinha. Se as bafuntava viessem agora, eu nem ia ver, só ia sentir uma mão gelada pegando meu pé… Arrepiei os cabelos tremendo de medo.
– Vica! Tá dormindo?
– ROOOOONC
– Dondaaaa! (Jonas) Eu tô com medo das bafuntava!
– ROOOOONCComo sempre, o sono venceu o medo, e dormi profundamente sonhando com florianópolis. O que era mesmo florianópolis? Acho que é uma escada comprida… tem porta e janelinhas e chaminé com fumaça. É isso mesmo florianópolis é uma casinha em cima de um morro. A Alda ia casar… ou seja, ia para uma casinha com escada comprida e chaminé com fumaça.

Essa era a única coisa que podia imaginar. Ninguém me dissera o que era “casar” nem muito menos o que era “florianópolis“, mas amanhã eu ia pra florianópolis ver a Alda casar.

Nesse interim, tudo já era pleno sonho e podia se comprovar pela claridade do ambiente onírico que contrastava com a escuridão do quarto onde dormíamos.
O sonho era colorido. A florianópolis branquinha, com janelas verdes e vasos de violetas. Havia essa escada comprida, ladeada por canteiros de morangos e uma relva muito verde. Verdinha, verdinha…

Verdes, aliás, eram todas as paisagens que eu conhecia. Variavam sempre do verde amarelado do pasto queimado de geada ao verde escuro dos pinheirais. Bem, lá no fundo havia um azul, mas sempre muito distante. Montanhas em tons de azul degradé … e o céu distante. Mas perto de mim, só o verde.

Vi um tico-tico caminhando no pasto. Os tico-ticos têm três maneiras de andar: vão aos pulinhos, ou caminham apressados, ou voam. Esse tico-tico caminhava. E olhava pra mim. Ele me perguntou:
– De que cor você gosta mais?
– Azul. Eu tenho uma caixa de lápis-de-cor. O azul já tá quase acabando e os outros ainda são grandes.
– Por que você pinta as coisas de azul? – Perguntou o tico-tico, já bem próximo, quando eu me sentava na grama.
– Porque o azul é muito lindo. E porque as coisas azuis sempre estão longe. Olhando lá pro Mundo Novo, o morro é azul, mas quando você chega lá perto vê que é tudo verde mesmo.

O tico-tico olhou-me intrigado. Ele costumava voar alto, via montanhas azuis no horizonte, mas nunca tinha percebido que as montanhas azuis eram verdes de perto. Ficou perturbado e voou para conferir.

Meus sonhos nunca eram totalmente floridos, com tico-ticos conversando sobre cores e grama com moranguinhos… às vezes o sonho descambava para variações tenebrosas e, de uma hora pra outra, virava um pesadelo terrível.

Pois não é que a casinha da escada, que eu chamava de “florianópolis”, de repente era uma choupana assombrada… Passou por mim um cachorro com cara de porco e disse:
– Foge daqui, porque naquela casinha mora a Véia Greta!